O Homem Que Explodiu o Presidente (2022) por Thiago Barrozo

Antes de continuar: eu não vou tecer comentários políticos. Não é que eu não tenha um posicionamento, é só que não tenho saco para discutir sobre política no país e atualmente ando com uma visão mais próxima de um certo xará meu que nasceu uns dez mil anos atrás (e também com a de um personagem desse livro).

Sinopse

Um ex-professor, ex-alcoólatra, ex-pai de família. Um homem atormentado pelo passado encontra num bilhete de loteria premiado a oportunidade de vingança que sempre almejou. Seu algoz? Ninguém menos que o Presidente da República.

Uma jornada arriscada onde uma prostituta suicida, um amigo sem memória, um advogado assassino e um traficante vaidoso embaralham os conceitos de certo e errado; onde a morte não é a última das consequências, mas, sim, o início de um longo caminho.

Afinal, como bem disse Shakespeare, é a tentativa, e não o ato, o que nos aniquila.

Estou tentando ler mais autores nacionais em 2022 para entender o mercado contemporâneo e os astros se alinharam de tal forma que o Thiago me presenteou com uma cópia do livro bem na época que estava selecionando os autores nacionais que queria ler. Acontece que li o livro tão rápido que sequer chegamos na metade do mês e já estou devorando em uma segunda leitura, embalado pelo ritmo de O Homem Que Matou o Presidente.

A narrativa é contada em primeira pessoa através de fitas gravadas por Otelo. A história começa com nosso protagonista indo comprar uma camiseta para o amigo Celembra num brechó. Acontece que a camiseta tinha “apenas” um bilhete premiado da Mega-Sena e isso muda tudo na vida do Otelo, para melhor e também para pior.

Sinto que a narrativa necessitava de mais profundidade sobre o passado dos personagens, especialmente o período onde Otelo participou dos Alcóolicos Anônimos ou sobre o processo de luto após a morte da esposa e do filho, mas entendo que o formato de narrativa através das fitas deixa toda essa ideia um pouco mais distante. A ideia de iniciar a narrativa falando que explodiu o presidente é genial. O leitor já sabe que isso aconteceu, mas continua devorando as páginas até o final com muita facilidade.

Li tudo em quatro dias de leitura. Foi fácil ler cinquenta páginas e olha que tenho sérios problemas com leituras mais longas. Sofri para ler A Morte do Adivinho e Death From a Top Hat, tanto que sequer cogitei trazer resenhas para cá. Preciso reler alguns trechos até me sentir confortável o suficiente para isso. O livro do Thiago, porém, é diferente. A leitura é fácil e fluida, mas a ação é constante.

Há horas que penso seriamente que o objetivo do Thiago com esse livro era criar algo que pudesse ser adaptado para o cinema. Era fácil fechar os olhos para imaginar os personagens e os cenários da narrativa. Aliás, confesso que conseguia imaginar a explosão, com pedaços de pessoas voando para o alto, em câmera lenta enquanto Frank Sinatra começava com o clássico “Fly me to the Moon”.

Recomendo fortemente a leitura desse livro, independente do gênero que você prefira.

Nota:

Avaliação: 4 de 5.

The Tattoo Murder (1948), por Takagi Akimitsu e traduzido por Deborah Boehm

Caso você acompanhe nosso trabalho nas redes sociais saberá que eu fui uma das primeiras pessoas a falar de forma ativa sobre a literatura policial japonesa no Brasil. Minha situação é bem privilegiada pois tive contato com diversos escritores de lá, fazendo com que eu tenha uma visão um pouco mais ampla sobre como a literatura policial surgiu e se desenvolveu no Japão. É claro que existem leitores no exterior que conhecem o gênero num nível muito superior ao meu. Destaco aqui três blogs: o Solving The Mystery of Murder, o Beneath the Stains of Time e o Ho-Ling no Jikenbo. É sempre interessante passar por lá para aprender mais sobre literatura policial japonesa.

Bem, vou resumir a literatura policial japonesa para as pessoas que não conhecem (eu já fiz isso em um texto para o Literatura Policial). O gênero começa a se organizar por lá quando Edogawa Rampo começa a lançar as histórias do detetive Akechi Kogoro lá na década de 20. Os autores do período escreviam em um estilo conhecido até hoje como “honkaku”. Koga Saburo definiu esse estilo como “uma história de detetive que valoriza o entretenimento derivado do puro raciocínio lógico” e o entendimento é que histórias ocidentais também podem ser encaixadas nesse estilo, como os livros de Agatha Christie ou John Dickson Carr.

O período após a Segunda Guerra trouxe uma nova leva de escritores de mistério com objetivos diferentes desses autores honkaku. As histórias deixaram de ser mistérios intrincados e passaram a focar mais nos personagens e em denunciar problemas da sociedade japonesa. Esse estilo foi encabeçado por Matsumoto Seicho e durou cerca de 30 anos. Isso mudou quando a nova leva de escritores dos anos 80 voltou a criar mistérios intrincados inspirados por autores como S. S. Van Dine e Ellery Queen, guiados por Shimada Soji. Esse novo estilo foi chamado de “shin honkaku” (novo ortodoxo).

Takagi Akimitsu foi um dos escritores que surgiu logo após o fim da Segunda Guerra Mundial e The Tattoo Murder foi seu primeiro romance, publicado lá em 1948 (o título original é 刺青殺人事件, lido como “shisei satsujin jiken”. O livro foi traduzido em 1998 para o inglês por Deborah Boehm e recebeu uma edição em 2022 pela Pushkin Vertigo. Recebi uma cópia da editora que ganhei em um giveaway, embora já tivesse uma edição da Soho Crime aqui na minha coleção.

A história do livro começa introduzindo o estranho professor Hayakawa, um acadêmico fissurado por tatuagens, e Nomura Kinue, uma mulher com uma tatuagem enorme de Orochimaru em suas costas. O diálogo dos dois dá a entender que ela tinha uma irmã que morreu na queda da bomba atômica em Hiroshima e um irmão enviado para as Filipinas em 1943. Os três irmãos possuem tatuagens exóticas nas costas. A narrativa apresenta outros personagens com extremo cuidado, preparando o terreno para o crime bizarro.

Matsushita Kenzo, um jovem médico que acabou envolvido com Nomura Kinue, e o professor Hayakawa acabam sendo levados à casa de Kinue, apenas para encontrar os membros e a cabeça da jovem em uma banheira que transbordava trancados pelo lado de dentro do banheiro da casa. Uma investigação apurada é realizada para tentar descobrir o culpado desse caso, mas a polícia é completamente enganada. É aí que surge o detetive amador Kamizu Kyosuke, colega de Kenzo, e soluciona o mistério sem grandes preocupações.

Eu elogiei várias vezes a forma como Takagi Akimitsu escreveu o livro, optando por criar capítulos curtos. Estou escrevendo o meu romance e o estilo dele abriu a minha mente de uma forma bem interessante. Não posso dizer, porém, que o caso é extremamente complexo. Antes do crime acontecer eu já sabia exatamente quem era o culpado e o truque que seria utilizado para gerar o álibi e voltei minhas expectativas para a solução do mistério do banheiro trancado por dentro. E, mais uma vez, foi frustrante.

Aviso logo que tendo a não gostar de soluções mecânicas, seja para assassinar a vítima, seja para gerar a sala trancada por dentro. É um mundo vasto, confesso, mas torço o nariz para soluções desse tipo por serem específicas demais e não acho que todas funcionariam na vida real. A solução desse caso usa justamente essa ideia e por isso não gostei tanto. Outra coisa estranha é o fato de Kyosuke apegar-se demais às impressões que ele obtém de personagens a partir de partidas de go ou xadrez. Não faz muito sentido. Um último ponto que gostaria de destacar relacionado à história sem entrar em muitos detalhes: existem várias regras secretas na literatura policial tradicional. Esse livro foi construído em cima de uma dessas regras.

Uma única crítica que faço à tradução é ao fato da Deborah ter escrito, de forma errada, Tsunadehime como “Tsunedahime”. É perdoável em 1998, mas é estranho que a Soho Crime e a Pushkin Vertigo tenham deixado esses erros nas edições posteriores, especialmente hoje em dia que temos o anime Naruto com menções a Tsunade, Jiraiya e Orochimaru com certa frequência.

Isso não significa que o livro é ruim. Alguém que não está acostumado com a tal “regra secreta” usada no livro provavelmente gostará bastante. Os personagens são ótimos, as descrições físicas e dos cenários são incrivelmente vívidas! Foi uma leitura muito agradável mesmo sabendo exatamente o que aconteceria no livro. Pretendo ler os outros dois livros de Takagi Akimitsu lançados em inglês, embora saiba que Kamizu Kyosuke não aparecerá nas histórias (o “detetive” é o promotor Kirishima Saburo) e que foram lançadas durante os anos 60, ápice da escola social.

Nota: ★★★☆☆